Derradeira cena (Em parceria póstuma com J.G.)

Trabalhei muito durante a semana, ministrei mais aulas do que estou acostumado. Intervalando com o trabalho, me dediquei aos estudos, escrevi artigos, ajudei colegas com trabalhos... 
No Sábado, sai com algumas pessoas. 
Sob a ilusão de excesso de vida causado pelo álcool, dancei, e ri bastante. Já tarde, (ou seria cedo!?) cheguei em casa, de carona com um amigo. Caminhei falseando até o portão de meu apartamento, entrei e fui direto ao banheiro.

"Tenho os olhos ardendo, e eu sei, porque ainda há pouco... Olhando-me no espelho tinha o olhar de um louco e a palidez de um doente... E pensei para mim, que essa vida da noite é exatamente assim:
vale pela ilusão de que estamos contentes, ninguém sabe o que eu sinto... E quem sabe o que sentes?"

E talvez seja apenas um momento de tristeza pós festas, mas ainda que seja, senti por mim mesmo um desprezo tamanho que não saberia explicar a origem. Talvez seja meu eu interior, em forma de poeta adolescente que jamais pensaria que um dia, chegaria a fracassar como fracassei.
Aquele garoto, que diferente dos rapazes de 16 ou 18 anos de idade rabiscava versos simples, trovas bobas e escolhia a constância do que a aleatoriedade. Aquele garoto que prometeu a si mesmo nunca fracassar. O mesmo garoto que se tornou adulto e, diante de tragédias da vida, resolveu mudar...

"Ora, o mundo afinal, não sendo mau nem bom lembra mesmo uma casa alegre de bas-fond! Na fachada a féerie dos letreiros piscando, por dentro, uma algazarra falsa, transbordando sobre almas enfastiadas de tédio e de amor! 
Por trás destes letreiros cheios de esplendor, rebrilhantes, na névoa das horas já mortas, quantos vultos sem rumo entre as frestas das portas, quanta vida afinal desarvorada e ao léu! Dentro de todo o ruído e de todo o escarcéu sem se olhar para os lábios, - nos olhos, no fundo, há um drama que envergonha as plateias do mundo!" 

Fui até a sala, me servi de uma última dose de whisky e olhei pela varanda.

"É tarde... e é muito cedo... O dia se entrevê...
É uma difusa, extensa, e dúbia claridade, como uma olheira roxa a envolver a cidade que dorme... Ouvem-se ao longe, passos, raramente, que ficam muito tempo no ouvido da gente e se perdem distante... E mais longe... E mais longe..."

Pois bem, eis então uma estranha e irônica coincidência.
Quase trinta anos, sozinho em minha sala bebendo meu whisky... Quem me conhece saberá!
Eu percebi que, dentro de meu fracasso, minha derradeira cena eu vivi!


 

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